Como é que uma estrutura celular simples ao nível do embrião deu origem a uma tão grande variedade de espécies nos animais vertebrados? A pergunta é feita há mais de um século pela comunidade científica. A possível resposta ao enigma foi publicada hoje pela revista “Nature”. Uma equipa de cientistas especialistas em embriologia diz ter descoberto o mecanismo responsável pela distinção entre os verterbrados mais complexos e outros primitivos como os anfíbios ou os peixes.
Os embriologistas da Universidade de Londres utilizaram um microscópio de dois fotões para analisar o desenvolvimento dos ovos de galinhas, com um desenvolvimento semelhante ao dos mamíferos. No início, a massa indiferenciada de células que constitui o embrião movimenta-se até criar a estrutura que vai definir a formação de um corpo, num processo conhecido por gastrulação.
No estudo hoje divulgado, os cientistas revelam ter descoberto que os vertebrados mais desenvolvidos, como os mamíferos e aves, adquiriram durante a sua evolução um mecanismo de intercalação celular que posiciona a linha primitiva de células, que depois forma o eixo do embrião, no centro do embrião e não no extremo como acontece nos vertebrados primitivos. Este processo de formação da primeira estrutura embrionária visível ocorre antes e durante a gastrulação. No ser humano acontece às três semanas e é um estádio fulcral no desenvolvimento embrionário porque define quantos indivíduos vão ser formados e se vão existir mal-formações no feto.
“O nosso estudo descobriu um processo único nos grandes vertebrados, através do qual as células se organizam de uma determinada maneira, mesmo antes de ter início a gastrulação, de forma a criar a primeira estrutura visível no embrião: a linha primitiva. Esta linha marca a posição do futuro eixo do embrião”, explicou ao PUBLICO.PT o coordenador do estudo Claudio Stern.
Segundo o especialista, a descoberta da equipa tem particular importância pois é a primeira vez que os movimentos das células embrionárias são analisados ao nível do epitélio, um tecido básico do organismo em que as células estão muito próximas umas das outras, mas também porque foi possível seguir a actividade celular em embriões vivos, sem os perturbar.
“Os embriões humanos, e de outros mamíferos, têm de ser implantados no útero materno antes de se envolverem, as aves põem o ovo dentro de uma casca e os anfíbios e peixes directamente na água. Cada uma destas condições confere ao embrião características e formas únicas. No entanto, o que todos têm em comum é que antes da gastrulação o embrião é mais ou menos uma massa de células parecidas umas com as outras. É a gastrulação que inicia o processo de diferenciação e confere forma ao embrião”, disse Claudio Stern.
Nas palavras de outro autor do estudo, lembra o especialista, “O acontecimento mais importante na nossa vida não é o nascimento ou o casamento ou a morte mas a gastrulação”.”Desde que sabemos que até este estado, mas nunca depois, um único embrião pode gerar gémeos idênticos, percebe-se a sua importância. Se a ‘alma’ existe, de certeza que o embrião não a tem antes da gastrulação porque ainda há a hipótese de se gerar mais do que um indivíduo, senão os gémeos teriam de partilhar a mesma alma entre os dois”, acrescenta.
Além do mecanismo único que define o eixo do embrião, os cientistas identificaram as moléculas utilizadas pelo embrião para controlar os movimentos celulares. O objectivo da equipa, conclui Stern, é a aproveitar a tecnologia do novo microscópio que permite visualizar a três dimensões estruturas embrionárias ínfimas para “perceber muito mais acerca do movimento celular e das decisões ao nível do embrião”.