Quando queremos transformar uma sociedade, por onde devemos começar? Pelo óbvio, pelas crianças. Pelo futuro. Sabemo-lo nós e sabe quem governa e pretende alterar profundamente o nosso modelo de sociedade. Os nossos filhos, ao longo do seu percurso escolar, vão sendo moldados conforme as orientações de quem dirige o Ministério da Educação. Experimentam-se programas, há avanços, há recuos. Tem sido assim ao longo dos nossos 40 anos de democracia.
No entanto, hoje em dia, assistimos a algo totalmente novo, assistimos a uma mudança de paradigma e a uma golpada no sistema de ensino que seria impensável há uns anos. Um país que fez progressos extraordinários desde 1974, vê-se a recuar décadas em apenas 3 anos, porque há todo um programa governamental a ser implementado que vai muito mais além do que a matéria lecionada. Um programa que tem por objetivo criar alunos de primeira e de segunda. Escolas a duas velocidades. Os que nasceram com oportunidades e aqueles que nunca as terão.
O Ministério começou por cortar no investimento da Escola Pública e aumentar o financiamento aos colégios privados. Continuou, despedindo professores e auxiliares, reduzindo o número de turmas, aumentando o número de alunos por turma. De seguida, desmantelou o ensino especial e impôs programas desajustados à realidade das crianças e, por fim, rematou com exames. Muitos, muitos, exames.
Estes exames começam logo no segundo ano do ensino básico com um teste intermédio e de seguida, no 4º ano, um exame como no tempo do fascismo. Não há outro país na União Europeia que o faça. Justificam-no em nome de algo irrecusável, do “rigor”. O rigor do medo, que isto de prazer na escola não faz parte da equação deste governo. Esse “rigor” é feito de objetivos impraticáveis, altera profundamente o trabalho construído ao longo dos 4 anos do 1º ciclo, ignora a realidade dos alunos, dos pais, dos professores, da escola. Automatiza. Deseduca. Cria fossos entre alunos. Trabalha para as elites.
Disse Nuno Crato:“a utopia do igualitarismo, essa que muitos na educação defendem, só seria possível num único e não desejável cenário: aquele em que todos são medíocres”. Mas medíocre é este modelo de escola que querem impor. Uma escola democrática é aquela que permite aprender e crescer em todos os sentidos, é crítica, é intercultural, é inclusiva e com igualdade de oportunidades. É para todos. Forma cidadãos, não máquinas. É livre. Não tem exames de 4º ano.
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