Urge reerguer o edifício educacional, sarando feridas resultantes dos cortes cegos impostos
O nosso país, nos últimos três anos, sofreu fortes alterações, sobretudo tendo em conta a presença da Troika que obrigou a não viver acima das possibilidades e, por via disso, a cortar a torto e a direito, naquilo que chamaram de gorduras, mas em muitos casos para além do músculo. A Educação não foi exceção!
Uma das áreas estruturantes em qualquer sociedade desenvolvida não foi esquecida e sofreu forte alteração, destacando: redução substancial do financiamento da oferta vocacional e profissional, através dos cortes no Poph; aplicação “cega” da Portaria n.º 1049-A/2008 (estabelecem-se os critérios e a fórmula de cálculo da dotação máxima de referência dos auxiliares de ação educativa e dos assistentes de administração escolar), muito desatualizada, sem ter em conta as características das escolas/agrupamentos, nomeadamente aquelas que são escolas de referência para alunos com Necessidades Educativas Especiais (neste momento, há mais funcionários com Contrato de Emprego e Inserção – provenientes do Instituto de Emprego e Formação Profissional – que assistentes operacionais efetivos); aumento exponencial de alunos a solicitar escalão da Ação Social Escolar e casos de crianças que chegam com fome e pouco cuidados à escola – o projeto PERA (Programa Escolar de Reforço Alimentar), que funciona desde setembro de 2012, tentou acudir a estes casos assim como o orçamento privativo das escolas (os alunos provenientes da classe média foram os mais atingidos); dificuldades tremendas em fazer face a despesas recorrentes nas escolas por via do orçamento compensação em receita, uma vez que também este sofreu redução em função do contexto socio-económico e tudo aumentou (água, eletricidade, comunicações…); interrupção do programa de modernização escolar (houve forte intervenção nas estruturas físicas das escolas secundárias e construíram-se centros escolares de excelência; porém, as antigas escolas EB2,3 foram esquecidas, encontrando-se em piores condições do que algumas que foram intervencionadas), reativado há escassos dias; redução forte nos apoios ao currículo normal, por imposição de cortes financeiros: horas não letivas para diretores de turma, reforço educativo, crédito horário, Educação Especial, tendo como consequência aumento do trabalho para professores, e com menos horas para o realizar; agregações de escolas (mega agrupamentos) criando uma nova estrutura muito complexa, recheada de ineficiências difíceis de corrigir – se é certo que o início desta alteração na estrutura organizativa das escolas ocorreu em 2010, também é certo que o oportunismo político serviu para dar passo decisivo (em 2010, existiam cerca de 1.300 unidades organizacionais e, atualmente, 811); a reestruturação da DGEstE (Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares)/eliminação das direções regionais de educação e consequente centralização dos serviços com evidente perda de capacidade de resposta/celeridade/proximidade com a tutela, perturba a vida nas escolas; o incompreensível aumento do número de alunos por turma (numa fase em que assistimos a uma redução drástica da natalidade e do número de alunos por via da demografia/emigração); a redução do número de horas das AEC (atividades de enriquecimento curricular) e das áreas não disciplinares.
Estou convencido de que, em alguns exemplos que apresento, o Ministério da Educação foi forçado a ceder nas negociações que manteve com a troika e, por isso, a Educação já pagou o preço de uma governação desmedida dos sucessivos governos. Depois do abalo sentido, urge reerguer o edifício educacional, acarinhando algumas das alterações forçadas e sarando feridas resultantes dos cortes cegos impostos, corrigindo o que não esteve bem por iniciativa governamental.
Devemos aprender com os erros, mesmo quando não somos diretamente responsáveis.
*Professor, director de Agrupamento