11 Comments

  1. A posse de um bilhete de ingresso é condição suficiente para entrar num recinto desportivo? Enquanto se pensar que o holliganismo é um fenómeno que só existe na casa dos outros, continuaremos a esconder a cabeça na areia… É evidente que me refiro à liberdade!

  2. Esse raciocínio é muito perigoso, Miguel.

    Se a posse de um bilhete de ingresso não é condição suficiente para entrar num recinto desportivo, então qual é essa condição?

    Na África do Sul do regime apartheid a posse de um bilhete de comboio não era condição suficiente para se viajar nas mesmas carruagens em que viajavam os brancos. Aos negros era-lhes exigida outra condição: a de que fossem brancos. Na Alemanha de Hitler a posse de um bilhete de identidade atestando a cidadania alemã não era condição suficiente para evitar as câmaras de gás – era necessário não ser também judeu, ou homossexual, ou cigano. Não bastava ser “apenas” alemão.

    O hooliganismo existe, ainda que em Portugal misturado com outras “coisas”: desintegração/degradação social, tráfico de drogas, infiltrações da extrrema-direita e manifestações puras de parolice. Mas existe em todas as “casas”, e não apenas no meu clube. Já aqui disse, e repito, que considero a claque não oficial do meu clube um monte de bêbedos, delinquentes em geral e indivíduos absolutamente desprezíveis a todos os títulos. É inegável. Tal como é inegável que essa mesma claque é frequentemente assobiada pelos restantes adeptos do próprio clube.

    O mesmo acontece com os outros. Um adepto do Sporting morreu no estádio do Jamor — e não foram adeptos do meu clube que o mataram. Dois adeptos do Benfica foram esfaqueados no Algarve — e não foram adeptos do meu clube que o fizeram. Um adepto do Sporting foi esfaqueado no antigo estádio das Antas — e precisamente por adeptos do meu clube. Portanto, o hooliganismo não é um fenómeno “do” Porto ou “do” Benfica ou “do” Sporting. É um fenómeno social (e não me apetece citar agora Marcel Mauss). Se o não compreendermos, continuaremos entrincheirados em discussões inúteis, segundo as quais, em essência, os adeptos A são piores do que os adeptos B porque são adeptos do clube A, mesmo que sejam todos filhos da mesma nação.

    Mas se a condição suficiente para entrar num recinto desportivo não é a posse do respectivo ingresso, quais são então os critérios que nos permitem definir essas condições? Não podem entrar se forem pretos? Se forem mulheres? Se forem ciganos? Se forem menores de 21 anos? se tiverem mais de 1,90m de altura? Ou será que o único critério é “adeptos do FCP não podem entrar no recinto do SLB porque, por essência, são intrínsecamente maus“?
    Existe uma lei, não aplicada em Portugal, tal como hoje mesmo a TSF denunciou, segundo a qual adeptos com mau historial não podem aceder a recintos desportivos. Na base de dados do Instituto do Desporto não está registado um único indivíduo nessa situação. Mas deveria.
    Claro que, para muitos, os únicos que podem ser cadastrados são os adeptos dos clubes rivais. Mas essa é a posição essencialista que acabei de desmontar. Portanto, insisto: se a posse de um ingresso não é condição suficiente, quais são então essas condições?

  3. Acabaste de enunciar alguns critérios, SL. É óbvio que o mau historial de um indivíduo, seja ele adepto do FCP, SLB ou do Carcavelos de cima, é sempre um mau historial. E não havendo um registo do hooligan [o que é difícil de entender… ] há, pelo menos, o registo da claque onde são despoletados os incidentes. Sendo uma associação deve existir uma responsabilidade colectiva e daí que todos sejam penalizados pela infracção de alguns. Ou não?
    Quanto à questão inicial, se um individuo se apresentar com um bilhete sendo-lhe detectada uma arma de fogo ou um objecto contundente, deve ou não entrar no recinto desportivo?

  4. De acordo. Um indivíduo isolado que seja portador de uma arma de fogo (e outros critérios são possíveis, como encontrar-se embriagado…) não pode entrar num recinto desportivo. Daí não se segue que todos aqueles que o acompanham devam igualmente ser impedidos de entrar no dito recinto – constituiria uma generalização obviamente abusiva.
    Quanto à identificação das claques… Bem, a minha opinião é que são todas (todas, ou seja, as principais claques dos principais clubes) são constituídas por delinquentes cujo lugar natural não é, seguramente, um estádio de futebol. Mas se seguirmos esse critério, nenhuma dessas claques teria direito a entrar nos estádios nacionais. Quanto a mim, tanto melhor…
    Só não percebo como é possível que ainda exista claques oficialmente apoiadas pelos respectivos clubes. Mas essa é outra conversa.

    Mas a questão não está esgotada, Miguel: há um outro ponto que se subentende do meu comentário inicial. É que a possibilidade de uma entidade privada determinar aquilo que a PSP deve ou não fazer é uma coisa absolutamente preocupante. Estou a marimbar-me para a questão de a “entidade privada” ser o SLB, o FCP ou o Cascalheira FC. O que me preocupa é esta aparente instrumentalização das instituições sociais e a forma tranquila, acrítica, acéfala, adormecida como vamos assistindo a este descalabro. Aparentemente, tornou-se “normal” que as televisões sejam instrumentalizadas pelos governos, pelos partidos, pela Opus Dei ou pela Maçonaria; tornou-se “normal” que um secretário de estado do ambiente seja avaliado numa universidade privada por um seu inferior hierárquico e lhe envie trabalhos académicos com cartõezinhos de visita timbrados pelo próprio ministério; tornou-se habitual que as acções fiscalizadoras da ASAE sejam instrumentalizadas para fins de propaganda política através da generalidade dos órgãos de comunicação social; tornou-se normal assistir à endoutrinação de valores de forma coerciva por parte das instituições religiosas e, pasme-se, até mesmo bancárias; e já ninguém resmunga quando se levantam suspeitas se alguém afirma que a PSP agiu a mando de um interesse privado.

    O meu interesse nesta questão NÃO PASSA pelos adeptos do FCP, do SLB ou do SCP. O meu interesse é outro: é discutir os sintomas de degradação da democracia. É que na mesma semana em que se comemora o 25 de Abril, eis que cidadãos são impedidos de entrar na capital, eis que fecha umcentro de saúde público no mesmo sítio onde abre um hospital privado, eis que o partido que mais reclama a “paternidade” desse mesmo 25 de Abril proíbe que determinado cidadão possa ser nomeado para um discurso, eis que um grupo de cidadãos quer homenagear Salazar erigindo-lhe uma estátua e eis que o presidente da república diz que já não faz sentido comemorar a data.
    Algo está errado.

  5. Se é preocupante a instrumentalização das forças policiais, neste caso, que devia ser generalizado, a acção [propriamente dita] policial foi acertada. Quanto à essência do texto, estou de acordo, SL.

  6. Não, Miguel. Não avanças um único argumento que justifique a) a instrumentalização, se a houve, da PSP neste caso, explicando por que razão essa instrumentalização é errada em todos os casos excepto neste; ou b) por que razão pode a acção da PSP ser considerada correcta neste caso pelo simples facto de se tratarem de adeptos do Porto. Discriminá-los simplesmente por serem adeptos do FCP é a mesma coisa que discriminar alguém pela sua cor da pele, convicção religiosa ou orientação política. Insisto: não sendo cidadãos referenciados como “perturbadores” (e relembro que segundo a TSF não existe nenhum, ainda que o JN avance com seis), não há nenhum motivo para lhes permitir a compra de bilhete e negar-lhes a entrada no recinto. Pior: não apenas a entrada no recinto, mas simplesmente a passagem na portagem de acesso a Lisboa.

    Se este caso deve ser generalizado, estarás então de acordo que os adeptos do SLB que eventualmente comprem bilhete para um futuro FCP-SLB no estádio do Dragão sejam reencaminhados para Lisboa logo que cheguem a Grijó. Pois eu não estou. Muito mal vamos se os adeptos do SLB não puderem assistir a um jogo do seu clube no estádio do Dragão. E o inverso ta´mbém se aplica.

  7. Não consigo colocar o direito de ingresso acima do direito à segurança, tanto dos adeptos do Porto, como dos do Benfica.
    Se a PSP entendeu que era mais seguro assim ainda bem que não hesitou. Se calhar, já em outras ocasiões teria sido preferível terem agido de igual forma.
    Nunca vi ninguém questionar as claques serem escoltadas aos estádios! Ora, se têm bilhetes porque não podem ir pelo caminho que escolherem?
    Parece-me que este é um caso evidente de folclore futebolístico e clubite aguda! Se a PSP nada tivesse feito e tivessem havido acidentes graves estávamos agora a ver aqui links para noticias a questionar a inoperância da PSP.
    Isto, obviamente, é válido para qualquer claque, clube ou adepto singular.

    Um abraço.

  8. Eu não defendo que aos adeptos dos clubes visitantes seja vedado o acesso aos recintos desportivos dos clubes visitados, como é evidente. Eu defendo algo bem diferente: Que as claques, e os adeptos integrados nas claques, assistam aos jogos pela TV. Esta restrição deixaria de fazer sentido a partir do momento em que fosse possível apurar responsabilidades pelos incidentes que envolvem estas organizações.
    Creio que o meu ponto de vista está mais claro. Ou não?

    A clubite está a tomar conta de ti, SL? ;)

  9. Repito aquilo que já escrevi mais acima:

    “a minha opinião é que são todas (todas, ou seja, as principais claques dos principais clubes) constituídas por delinquentes cujo lugar natural não é, seguramente, um estádio de futebol. Mas se seguirmos esse critério, nenhuma dessas claques teria direito a entrar nos estádios nacionais. Quanto a mim, tanto melhor…”

    Sim, Miguel. Agora o teu ponto de vista ficou mais claro. Mas em nenhum momento me deixei levar pela clubite. Bem pelo contrário: em todos estes comentários alertei para a necessidade de todos os cidadãos serem tratados e igual forma, sem nenhum tipo de discriminação sectária.

    Hélder: se a PSP o fez de mote próprio, tanyto pior. Mantêm-se os problemas que levantei de justificação racional dos critérios que presidiram a essa decisão – que, recorde-se, terá sido nesse caso inédita em toda a história do desporto português. O problema consiste em saber a quem pertenceu a iniciativa. É essa a dúvida que persiste, foi essa a dúvida que lancei.

  10. Se estamos num país democrático, as pessoas têm o direito de circularem. Não vejo a PSP preocupada em impedir manifestações a favor de Salazar, por exemplo, embora estas possam ser palco de zaragata entre extremas direita e esquerda. Concordo que as claques são fungos muito perigosos que têm crescido sem freio por parte das autoridades e sobretudo dos respectivos clubes. Mas acho, e não sofro de clubite, até porque nem tenho clube ou gosto sequer de futebol, que se há uma claque controlada e impedida de entrar numa cidade, então o critério deve ser igual para todos, dada a rafeirada humana que constitui habitualmente este tipo de aglomerado. Se os adeptos de uma claque são suficientemente bons para lhes serem vendidos bilhetes, porque não são depois bons para assistirem a estes? Se se parte do princípio de que membros de uma claque são perigosos, então não se lhes vendam sequer bilhetes . Mas se lhes foram vendidos, é porque se aceitou tacitamente que merecem usufruir deles. Comprou, tem o direito de assistir. É tão simples como isso. Se não comprou, ou não lhe foi vendido, não pode assistir.
    Aliás, se houvesse uma listinha negra de todas as bestas que causam desacatos nos estádios, e as regras apertadas de acesso a estes fosse cumprida, a PSP estaria a servir cidadãos, que é para isso que é paga, e não a mando de clubes de futebol. Estes últimos é que têm a obrigação de controlarem os seus próprios adeptos e decidir a quem querem vender bilhetes.

  11. Gostava de acrescentar que a própria psp necessitou usar de força contra os adeptos (claques???) benfiquistas antes do jogo Benfica Sporting… na luz!!!
    Proponho que da próxima vez sejam expulsos de Lisboa as claques do Benfica (pelos mesmos critérios que levaram a impedir a entrada dos do porto).

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