Dois concursos, vinculação semiautomática, bolsas de contratação. Há vários assuntos em cima da mesa e as negociações prosseguem. Sindicatos prometem não ceder para que a precariedade na classe docente não se perpetue.
O anúncio de dois concursos extraordinários, um para contratados em 2014 e outro para professores dos quadros em 2015; a criação de uma bolsa de contratação em cada escola com autonomia; a penalização para os que não aceitem a colocação ficando impedidos de darem aulas nesse mesmo ano por outros procedimentos concursais; a vinculação “semiautomática”, ou seja, a passagem para os quadros dos contratados com vários anos de serviço e que sejam chamados para dar aulas no ano letivo 2015/2016; estão agora no centro de todas a atenções da comunidade educativa. As negociações prosseguem e as reações sucedem-se, embora os documentos estejam ainda a ser analisados à lupa.
“Se foi dado recentemente um passo significativo com a criação do critério objetivo de ingresso nos quadros a partir de 2015, através da criação de um mecanismo semiautomático de vinculação à data da celebração do sexto contrato sucessivo, por que não criar um enquadramento legal/jurídico similar, com efeitos retroativos a 2001, que permita resolver parte significativa da precariedade docente?”, questiona a Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC), que esta semana se deslocou ao Parlamento Europeu e à Comissão Europeia, para falar precisamente das dificuldades de quem ensina sem vínculo ao sistema. Nessa visita, a proposta para a criação do Dia Europeu da Educação foi acolhida “com elevado entusiasmo”.
A ANVPC lembra que é preciso evitar o erro da anterior vinculação extraordinária e, por isso, o número de vagas no próximo concurso deverá bater certo com o número de professores que “têm, ano após anos, vindo a satisfazer as necessidades permanentes do sistema de ensino público português”. “É momento de criar uma matriz legal que resolva definitivamente o problema dos professores contratados”, defende. Há dois meses, o ministro da Educação revelava que queria introduzir na lei uma norma-travão. “Essa norma-travão vai implicar que, se um professor for contratado mais do que cinco anos, no seu sexto ano de contratação, esse professor ingressará imediatamente nos quadros através de sistemas legais que têm de ser estabelecidos”, explicava Nuno Crato.
A criação de uma bolsa de contratação em cada escola com autonomia que, dessa forma, não recorre à bolsa de recrutamento nacional – na qual os professores estão graduados segundo vários critérios – e a consequente penalização de quem não aceitar a colocação, estão também a ser analisadas pelos sindicatos do setor. As negociações prometem fazer correr muita tinta. O Ministério da Educação e Ciência (MEC) propõe, neste caso, que “terminado o procedimento de seleção, o órgão de direção das escolas aprova e publicita a lista ordenada” dos docentes que “integram a bolsa de contratação daquela escola ou agrupamento”. O objetivo é dar resposta às necessidades temporárias que surjam durante o ano letivo através da celebração de “contratos a termo resolutivo”. A tutela sugere que os respetivos procedimentos para a constituição da bolsa de contratação sejam abertos no mês de julho.
Ao contrário do que acontece na oferta de escola, os professores que digam não à colocação ficam sem ensinar nesse ano, ou seja, impedidos de ser colocados através de outros procedimentos concursais. Levantam-se dúvidas e questões práticas para resolver, como por exemplo ordenar, em tempo útil, um número elevado de docentes nessa bolsa, uma vez que as direções têm de analisar centenas ou milhares de currículos. Ou ainda situações de professores colocados a centenas de quilómetros de casa porque a contratação numa escola foi feita mais rapidamente do que noutra. A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) promete contestar o alargamento das contratações de escola em detrimento do concurso nacional.
Abrangência nacional
A Federação Nacional da Educação (FNE) refere que para corrigir injustiças é necessário realizar um concurso geral ainda este ano. Um concurso que dê possibilidade de os docentes dos quadros ocuparem lugares de quadro correspondentes às necessidades permanentes do sistema educativo e mais próximos dos seus interesses, que reconheça o direito à vinculação que a lei consagra a quem reúna as condições previstas na lei, e que envolva o preenchimento da totalidade das necessidades permanentes do sistema educativo ao nível do pré-escolar, básico e secundário.
A FNE defende que a vinculação dos professores contratados, a acontecer no primeiro semestre deste ano, deve abranger os docentes que tenham mais de três anos de serviço efetivo de funções em 31 de agosto de 2013. No parecer que elaborou sobre o próximo concurso, a FNE garante que “existem fundadas razões para que se realize em 2014 um concurso interno, a que se associe um concurso externo de vinculação, permitindo que todas as vagas em concurso estejam simultaneamente disponíveis, quer para os docentes que já integram os Quadros de Agrupamento e de Escolas Não Agrupadas, quer para os atuais QZP, quer os que agora a ele acederem”.
O MEC já anunciou as regras do concurso de vinculação extraordinária a realizar ainda este ano para professores contratados. Este procedimento destina-se a quem cumpra “funções docentes com qualificação profissional em estabelecimentos públicos de educação pré-escolar ou dos ensinos básico e secundário em pelo menos 365 dias nos três anos imediatamente anteriores à data de abertura” do concurso. Os candidatos têm de ter pelo menos Bom na avaliação de desempenho. “Os candidatos são obrigados a concorrer, no mínimo, a todas as vagas de, pelo menos, um quadro de zona pedagógica, correspondentes aos grupos de recrutamento a que são opositores, ordenando as suas preferências por grupo de recrutamento”, sustenta a tutela.
Os docentes que tenham pelo menos 730 dias de serviço efetivo prestado no mesmo nível de ensino e grupo de recrutamento em funções docentes nos últimos cinco anos imediatamente anteriores ao ano letivo de 2013/2014, e tenham pelo menos cinco anos de serviço docente efetivo com avaliação mínima de Bom, estão dispensados da realização do período probatório. Com este concurso, a partir de 1 de setembro deste ano, são produzidos os efeitos de ingresso na carreira.
As negociações começaram e a FENPROF reuniu-se com a tutela e apresentou os 15 pontos que defende para a revisão das normas sobre concursos de ingresso e transferência de quadros, bem como de mobilidade e contratação. A Federação defende que o concurso deve ter abrangência nacional e incluir os docentes das regiões autónomas, os professores de Português no estrangeiro, e ainda os que têm habilitação própria ordenados em prioridade seguinte à atribuída aos docentes habilitados profissionalmente. “A abertura do concurso, em todas as suas modalidades, deverá ter uma periodicidade anual; a estabilização dos seus quadros e não por via de colocações plurianuais compulsivas”, lê-se no documento da FENPROF.
Os candidatos devem ser ordenados de acordo com a sua graduação profissional que, em seu entender, deve ser calculada exclusivamente com base na classificação profissional e académica e no tempo de serviço docente prestado. Para a FENPROF, não faz sentido ser integrada a classificação da avaliação de desempenho e a prioridade no acesso aos quadros e à contratação deve ser dada aos docentes que tenham dado aulas em escolas públicas nos últimos anos. Na sua opinião, o concurso à área de duas zonas pedagógicas deve deixar de ser obrigatório para os candidatos ao concurso externo e à contratação inicial. E sugere ainda que sejam definidos incentivos à fixação em zonas desfavorecidas ou isoladas.
A FENPROF defende um regime dinâmico de vinculação para todos os docentes com três ou mais anos de serviço prestado em escolas públicas – até como forma de dar cumprimento ao estabelecido pela diretiva comunitária quanto às condições de trabalho dos professores contratados. “No fundo, parece que o MEC está a querer fintar a Comissão Europeia e fingir que vai cumprir a diretiva comunitária”, comenta Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, perante o cenário. A proposta do MEC de ingresso em Quadro de Zona Pedagógica após cinco anos ininterruptos em horário completo e anual é, sublinha, “mais negativa do que a que consta do Código de Trabalho que, em regra, prevê que um contrato de trabalho não pode exceder três anos, incluindo renovações, nem ser renovado mais de duas vezes”.