Texto 008: O comportamento desviante

O estudo do comportamento desviante é uma das áreas mais intrigantes e complexa, da Sociologia, ensinando-nos que ninguém é tão normal quanto gosta de pensar. Ajuda-nos igualmente a perceber que aquelas pessoas cujo comportamento pode parecer estranho ou incompreensível são seres racionais quando compreendemos a razão dos seus actos.

O estudo do desvio, tal como outros campos da Sociologia, centra-se no poder social. bem como na influência da classe social – as divisões entre ricos e pobres. Quando olhamos para o desvio ou para a conformidade às normas ou regras sociais, temos sempre que ques­tionar: “as regras de quem?”. Como veremos, as normas sociais são fortemente influenciadas pela divisões de classe e poder.

 

O que se entende por desvio?

O DESVIO pode ser definido como uma inconformidade em relação a determinado conjunto de normas aceite por um número significativo de pessoas de uma comunidade ou sociedade. Nenhuma sociedade, como já foi enfatizado, pode ser dividida de um modo linear entre os que se desviam das normas e aqueles que estão em conformidade com elas. A maior parte das pessoas transgride, em certas ocasiões, regras de comportamento geralmente acei­tes. Quase toda a gente, por exemplo, em determinada altura já cometeu actos menores de roubo, como levar alguma coisa de uma loja sem pagar ou apropriar-se de pequenos objec­tos do emprego – corno papel de correspondência – e dar-lhe um uso privado.

O âmbito do conceito de desvio é bastante vasto, como alguns exemplos o podem ilustrar. O milionário americano Howard Hughes construiu a sua imensa fortuna através de uma combinação entre trabalho árduo, ideias imaginativas e decisões astutas. Em termos de desejo de sucesso individual, as suas actividades empresariais conformaram-se com alguns valores-chave das sociedades ocidentais – valores que acentuam o desejo de recompensa material e o êxito individual. Por outro lado, em certos aspectos, o seu comportamento desviou-se profundamente das normas ortodoxas. Viveu os últimos anos da sua vida prati­camente isolado do mundo exterior, raras vezes saindo da suite de hotel onde morava. Deixou crescer o cabelo e uma longa barba que faziam com que parecesse mais uni profeta bíblico do que um homem de negócios de sucesso.

 

Hughes foi, ao mesmo tempo, muito bem sucedido e altamente desviante quanto ao seu comportamento. Um exemplo contrastante é o da vida de Ted Bundy. O modo de vida de Bundy. na aparência, conformava-se com as normas de comportamento de um bom cidadão. Mantinha, à primeira vista, o que parecia ser não apenas uma vida normal, mas mesmo meri­tória. Tinha, por exemplo, um papel activo nos Samaritanos. uma associação que prestava um serviço telefónico de 24 horas para apoio a pessoas sob tensão ou com intuitos suicidas. Não obstante, Bundy cometeu uma série de homicídios horrendos. Antes de o sentenciar à morte, o juiz que presidiu ao seu julgamento elogiou Bundy pela sua habilidade (tinha preparado a sua própria defesa), mas acabou por sublinhar o desperdício que havia sido a sua vida. A vida de Bundy demostra que uma pessoa pode parecer perfeitamente normal e envolver-se secre­tamente em actos de desvio extremo.

 

O desvio não se refere apenas ao comportamento do indivíduo, mas também às acti­vidades dos grupos. Exemplo disto é dado pelo culto de Hare Krishna, um grupo religioso cujas crenças e forma de vida são bem diferentes das da maioria das pessoas que vivem no Reino Unido. O culto estabeleceu-se em Nova Iorque no ano de 1965, quando Sril Prabhupada chegou da Índia para difundir a palavra de Krishna no Ocidente. Dirigia a sua mensagem particularmente aos jovens consumidores de drogas, pregando que uma pessoa podia “estar sempre na maior, descobrindo a bênção eterna”, se seguisse os seus ensinamen­tos. Os Hare Krishna tornaram-se conhecidos, dançando e cantando nas ruas, aeroportos e outros locais. Eram vistos de forma tolerante pela maior parte da população, ainda que as suas crenças parecessem excêntricas.

Os Hare Krishna representam um exemplo de uma subcultura desviante. Embora os seus membros sejam hoje em menor número, têm sobrevivido facilmente na sociedade englobante. A organização é rica, financiada através de donativos feitos pelos seus membros e simpatizantes. A sua posição diverge da posição de uma outra subcultura que pode ser aqui referida em contraste: os sem abrigo permanentes, pessoas que vivem nas ruas, passando a maior parte do tempo em parques ou edifícios públicos (como bibliotecas); dormindo na rua ou refugiando-se em abrigos. A maioria dos sem abrigo mantém a custo uma existência mise­rável nas margens da sociedade.

 

Anthony Giddens, Sociologia, Fundação Calouste Gulbenkian

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