“Um cheque-ensino igual para todos poderia gerar algumas distorções no sistema”

O presidente da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) acredita que haverá operadores privados a aceitar o desafio de ir gerir escolas públicas com maus resultados. Mas vai dizendo que os valores financeiros que têm sido praticados noutros contratos não são muito interessantes

O estatuto do ensino particular e cooperativo dos anos 80 foi revisto. Publicado em Novembro, é encarado como uma porta aberta para um novo papel do sector na educação. O cheque-ensino está presente no discurso do Governo quase desde o início da legislatura. Mas até agora nada aconteceu. Muita coisa está em aberto. E António Sarmento, presidente da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (Aeep), apela à clareza. “O que é que se quer fazer? Quando é que se fazer?” O director do Colégio Planalto (um dos quatro Colégios Fomento que têm um protocolo de cooperação com a prelatura do Opus Dei), assumiu no ano passado a presidência da associação.

 

Já percebeu qual é a relação que o Estado quer ter com o ensino privado?

Temos estado em discussão. Há regimes de financiamento que já existem e o novo estatuto parece ser uma evolução na continuidade, sendo que são abertas novas possibilidades, como a de se celebrarem novos contratos de associação [entre o Estado e as escolas privadas], em regime de concurso, para zonas que o justifiquem. Por exemplo, onde as escolas públicas tenham maus resultados…

Até agora, o Estado só celebrava contratos de associação com escolas privadas em zonas onde não havia oferta pública suficiente. Com o novo estatuto prevê-se que o Estado possa financiar também noutras circunstâncias, mas o texto é muito genérico, não prevê bem isso…
 Mas abre portas. Estamos à espera da concretização. E é o que tem sido dito pela tutela.

 

Os privados estão disponíveis para ir tomar conta das escolas públicas com maus resultados?
Devemos encontrar as melhores soluções para as famílias e para os alunos. E se há um problema numa zona temos de pôr em cima da mesa todas as possibilidades de intervenção. Penso que haverá agentes no terreno disponíveis para isso. Quer de agentes que existem neste momento, quer de agentes novos. Não duvido que vai mudar um bocadinho o panorama de possibilidades de gestão das escolas. Aliás, o Estado tem insistido muito na ideia de que algumas escolas poderão ser geridas por professores, por exemplo. Estamos a falar de modelos que existem lá fora e não há nada que impeça que possam ser postos em prática aqui. Portanto, isto pode acontecer, sem mudar a propriedade da escola — ou mesmo independentemente da propriedade. Não me choca nada que a propriedade seja do Estado e que haja privados que façam a gestão. Claro que terá de ser interessante e viável. Neste momento, com os valores que estão previstos para os contratos de associação [82 mil euros de financiamento público por turma, por ano], pode não ser uma coisa viável e interessante para um agente que esteja no terreno. Temos de ver.

 

Quem pagaria os professores da escola pública gerida por um privado? O Estado?
Não necessariamente. Há muitas coisas a definir. Uma gestão, feita por privados, de professores pagos e geridos pelo Estado… não me parece que seja esse o modelo. Levantaria muitos problemas. Seguramente terá de haver uma agilidade muito maior, que reconhecemos existir no privado, uma agilidade das relações laborais, das relações das direcções das escolas com os professores, de envolvimento, que, na circunstância actual, muitas vezes não se consegue gerar numa escola estatal.

A Aeep já está a preparar isto com o Governo? Há grupos de trabalho?
Está em cima da mesa mas ainda não começamos a trabalhar.

 

O CDS-PP tem o cheque-ensino [financiamento directo do Estado aos alunos que escolham colégios privados] no seu programa há anos. Mas no novo estatuto do ensino particular nunca se fala de cheque-ensino. No dia em que foi aprovado, perguntaram ao ministro Nuno Crato: “Este novo estatuto vai permitir o cheque-ensino?” e a resposta foi: “O cheque-ensino já existe.” Mais tarde, o Governo explicou que o cheque-ensino sim, ia ser aplicado gradualmente. Mas acabou por não arrancar. Em suma: uma vezes fala-se de cheque-ensino, outras vezes parece que se tem medo…
Nós não temos medo nenhum. Agora há muito caminho a percorrer na definição do cheque-ensino. E não nos parece que o país consiga ter essa urgência com que tem sido apresentada a ideia do cheque-educação. Mas estamos abertos a discutir todas as possibilidades. Há muitas soluções possíveis e, em Portugal, não estamos a começar do zero. Há instrumentos que podem ser o caminho para a concretização do cheque-ensino ou, pelo menos, para uma generalização de um apoio às famílias todas, como seja a generalização do contrato simples, que para nós merecia ser universal [o contrato simples é uma figura que existe há anos e define as situações em que o Estado comparticipa a propina dos alunos mais carenciados, com rendimentos abaixo de um certo patamar, que frequentam o ensino privado].

 

Quando fala da generalização dos contratos simples isso é o cheque-ensino com outro nome?
A diferença é a diferenciação socioeconómica, que é, na minha opinião, um registo que faz sentido: assumir que há uma comparticipação maior para quem tem mais dificuldades e uma comparticipação menor para quem tem mais. Um cheque-ensino igual para todos poderia gerar algumas distorções no sistema.

 

Mas os pais quando pensam em cheque-ensino pensam que o Estado lhe vai dar um cheque para pagar boa parte das propinas, ou tudo.
Nós, no que pensamos, não é num sistema para os pais que estão neste momento no privado. Não estou muito preocupado com os pais do meu colégio que me perguntam: “Então, este ano já tenho cheque-ensino, não é sôtor?” Fico é com muita pena das dezenas de pais que me apareceram em entrevistas a dizer: “Sôtor, agora já vou poder ter o meu filho nesta sua escola porque já vai haver cheque-educação, não é?”. E tenho de dizer: “Olhe, está enganado porque, de facto, ainda não.” Essa expectativa das famílias — que achamos que é completamente justa e que está, aliás, consagrada na lei —, de escolherem a estratégia e o projecto educativo que se adequa à sua família, não está a ser cumprida. A nós, o que nos interessa é que as famílias possam efectivamente escolher e que não haja a imposição de um sistema, ficando determinadas escolas reservadas só a quem tem posses para lá estar. Compreendemos que estamos num período complicado, onde, eventualmente, mesmo que se quisesse, não seria possível fazer grandes modificações já. Mas tem de haver clareza: o que é que se quer fazer? Quando é que se quer fazer? Deixando claros os timings. Para que daqui a seis meses, daqui a um ano, não tenhamos uma revolução e depois outra revolução e andarmos de reforma em reforma.

 

Teme que venha um Governo de esquerda e isto mude outra vez?
O que temos é de clarificar o que é melhor para o país e para as famílias. Há 20 ou 25 anos quando foi preciso fazer um regime de escolaridade obrigatória, de forma massificada, o nosso primeiro-ministro, o actual, foi professor de Matemática com o 11.º ou o 12.º ano. E porquê? Porque de repente era preciso ter no sistema professores assim. Ora, quando se tem no sistema professores assim temos que ter um sistema altamente regulamentado…

 

… porque não se confia assim tanto nos professores…
Mas passados todos estes anos temos nas escolas estatais e privadas gente que fez cursos, profissionalizações, muitos com mestrados em gestão escolar, mestrados em gestão curricular. É ridículo não confiar nos professores, é um desaforo.

 

E os privados têm mais autonomia do que o ensino público…
Com o novo estatuto digamos que a autonomia ficou regulamentada —  é ridículo dizer que se regulamenta a autonomia. Este estatuto veio legitimar muitas das práticas que nós já fazíamos.

 

Agora têm toda a autonomia de que precisam para terem projectos criativos?
O que temos é suficiente para fazermos muitíssimo. O ensino privado é uma oferta legítima, que sempre foi a manifestação da vitalidade da sociedade civil. Claro que a minha opinião pessoal é que o Estado devia ter uma carga completamente supletiva àquilo que a sociedade civil não conseguisse fazer. Mas não foi essa a origem histórica do nosso sistema educativo. Foi, noutros países, como na Holanda, na Bélgica — países onde o Estado, quando chegou, já os meninos estavam todos na escola e o Estado só teve de perguntar: “Bem, meus amigos, falta alguma coisa?” E eles disseram: “Se quiser fazer aí mais duas ou três escolas e arranje um financiamento para todos…” São circunstâncias históricas completamente diferentes e não podemos ter esse sistema de repente.

 

Quanto paga o Estado por cada aluno com contrato simples?
Em média 780 euros por aluno/ano, o valor é menor no ensino secundário.

 

As mensalidades cobradas nos privados são, em geral, de 300 ou mais euros por mês…
Pois, são apoios residuais. E só há contratos simples para [alunos que frequentem] colégios que existiam até 2008.

 

Qual tem sido o impacto da crise no sector?
Entre 2009 e 2012 perdemos 4,2% dos nossos alunos (de 346 mil para 332 mil alunos, do pré-escolar ao secundário) o que mostra uma grande estabilidade e uma grande resiliência. Conheço muitos casos em que foram as férias, foram as despesas do segundo carro, foi alugar a casa de férias, mas não foi o colégio dos filhos. Especialmente no privado não financiado, estar ali é claramente uma opção muito pensada. Os pais estão dispostos a abdicar de muita coisa para não abdicar do investimento já feito nos últimos anos.

 

 

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