Fonte: https://life.dn.pt/comportamento/acho-facilimo-que-se-volte-a-ter-castigos-fisicos-nas-escolas-em-portugal/
Texto de Ana Patrícia Cardoso | Ilustração de iStock

Foi feita a pergunta aos encarregados de educação no início do ano: dão consentimento aos professores para castigar os filhos com uma palmatória, caso estes sejam apanhados em casos de mau comportamento? Um terço dos pais respondeu que sim.
Esta medida surge numa altura em que os castigos físicos estão abolidos de vários países. Em 2007, Portugal entrou para a lista, com a legislação que proíbe castigos corporais a crianças em qualquer ambiente, incluindo no seio da família.
A Suécia foi o primeiro país a tomar a iniciativa em 1979, seguindo-se a Finlândia em 1983, a Noruega em 1987. Outros países como Áustria, Chipre, Dinamarca, Letónia, Croácia, Israel, Alemanha, Bulgária ou Islândia também o fizeram.
Segundo o responsável pela escola, Jody Boulineau, «em tempos, castigos corporais eram uma norma nas escolas e não havia os problemas que há hoje».
No entanto, na Georgia School for Innovation and the Classics, parece haver um desejo de voltar ao passado. Segundo o responsável pela escola, Jody Boulineau, «em tempos, castigos corporais eram uma norma nas escolas e não havia os problemas que há hoje».
Nos Estados Unidos, a legalidade de punições corporais varia de Estado para Estado, podendo cada um escolher a sua legislação, sendo que a prática é – de acordo com uma decisão do Supremo em 1977 – constitucional.
O psicólogo Vítor Rodrigues repreende a tomada de medidas como esta em ambiente escolar, mas considera que seria muito fácil o ato repetir-se em Portugal.
Neste caso, a punição tem algumas regras. «A palmatória não poderá ter mais de 60 centímetros de comprimento, 15 centímetros de largura e 19,05 milímetros de espessura. Além disso, o uso da palmatória tem o limite máximo de três palmadas. O estudante será levado para um escritório de porta fechada. O estudante vai colocar as mãos sobre os joelhos ou uma mobília e será atingido com a palmatória nas nádegas», lê-se no documento que regula a punição na referida escola norte-americana.
«O resultado é desencadeador de medo, pânico e até, conforme a violência da agressão, fobia escolar. Qualquer repreensão que seja vexatória para o aluno é um grande erro», diz Leonor Baeta Neves.
Qual o impacto de uma medida como esta no desenvolvimento cognitivo e social de uma criança? Para Leonor Baeta Neves, «do ponto de vista psicológico o resultado é desencadeador de medo, pânico e, até conforme a violência da agressão, fobia escolar. Qualquer repreensão que seja vexatória para o aluno é um grande erro.»
ENTREVISTA
Vítor Rodrigues
«Quando pune uma criança, não está a ensinar-lhe nada»
O psicólogo e autor Vítor Rodrigues repreende a tomada de medidas como o uso da palmatória ou da punição física em ambiente escolar, mas considera que seria muito fácil o ato repetir-se em Portugal.
Qual o impacto para a criança ou adolescente quando a punição na escola se torna física?
A punição física é um caso particular das estratégias punitivas. Neste caso, existem vários inconvenientes. E que são conhecidos há muito tempo. Em primeiro lugar, quando pune uma criança, não está a ensinar-lhe nada. Não está a transmitir-lhe o que ela deve ou não fazer. Não está a mostrar-lhe o que é esperado dela, em termos positivos. Só está a deixar claro do que ela deve ter medo.
Ou seja, não existe qualquer aprendizagem nessa punição, ao contrário do que se pensa?
Não. A relevância pedagógica tende a ser zero. Por outro lado, não dá à criança a sensação de sucesso. Não lhe mostra como é ser bem-sucedida, nem ajuda a que esta tenha qualquer prazer com o ensino. Em termos gerais, diminui muito o prazer em estudar.
E pode levar o aluno a ter medo de ir para a escola?
Precisamente. Não ajuda a criança a ter prazer na pedagogia, curiosidade e à vontade. Cresce-lhe o medo e revolta para com os professores e a escola. Esta é uma ideologia totalitária, obviamente. E não uma ideia de autoridade baseada em verdadeira competência pedagógica. Estamos a falar de um professor que consegue eventualmente que as crianças fiquem quietas e que não façam o que o aborrece, mas não as ensina a fazer aquilo que elas precisam para sentirem realmente um progresso escolar e cultural.
Muitos pais têm a frustração de não saber o que fazer para lidar com os filhos.
Estamos a falar dos Estados Unidos, um sistema diferente do nosso e que assume enormes disparidades a nível escolar. Mas como é possível que os pais aceitem este retrocesso? Estão a desresponsabilizar-se da educação dos filhos?
Muitos pais têm a frustração de não saber o que fazer para lidar com os filhos. Estamos a viver num tempo em que o cinema, a comunicação social ou as redes sociais nos mostram constantemente uma sociedade violenta. Está embrenhado na cultura. Muitos pais vêm do tempo em que a violência era a maneira de ensinar e corrigir comportamentos.
E há a questão da palmada pedagógica que muitos advogam como necessária. Mas aqui falamos de punição com objetos (a palmatória), que não víamos há algum tempo.
Exato, mas há que entender que a punição tem um papel que é entender o que não se faz. É a lógica da multa, da sanção. Mas toda a ênfase precisa de ser colocada naquilo que se faz, naquilo que nos ajudará a crescer. Punir por punir é inútil.
Não é assustador que estejamos a ver este tipo de medidas a voltar à educação, quando o caminho deveria ser outro? Sobretudo num país como os Estados Unidos, onde a violência e as diferenças sociais e raciais estão mais presentes a cada dia.
Sem dúvida. Temos de ver que há aqui manobras claras para tornar o totalitarismo mais aceitável. Se formos analisar, o que os media nos transmitem é que a violência policial, afinal, é necessária desde que seja para bater nos «maus».
Ou seja, a violência como parte integrante da sociedade é-nos incutida propositadamente.
Sim. Ao mesmo tempo, as pessoas sentem-se frustradas ao perceber que há um caos social instalado e que nada podem fazer, por isso tendem a aderir a medidas mais extremas e a seguir líderes com perfil ditatorial, que parecem ter a fórmula para resolver o assunto.
O fenómeno Trump.
No caso, sim.
Não acho só possível, acho facílimo que se volte a ter castigos físicos nas escolas em Portugal.
Voltando à questão da punição, do ponto de vista do psicoterapeuta, não acrescenta nada de positivo?
A abordagem essencialmente punitiva coloca o ónus nos erros. Alimenta sentimentos de fracasso, de incompetência e pode tornar-se facilmente uma questão traumática. E não podemos esquecer a questão do bullying. Quem o faz – o adulto, no caso – sente-se poderoso na medida em que oprime os outros, em que bate, assusta, faz calar. Há um prazer e uma sensação de poder que não pode ser negligenciado.
Acha que uma medida como esta poderia voltar a ser aplicada em Portugal?
Não acho só possível, acho facílimo que se volte a ter castigos físicos nas escolas em Portugal. Porque os meios de manipulação de massas estão cada vez mais acessíveis. Neste momento, parece-me extremamente fácil, manipulando com os procedimentos adequados e convencendo as pessoas de que afinal a violência é bem-vinda, desde que esteja, como nos filmes, do lado dos «bons».
Estou convencido que o tipo de educação punitiva com o qual crescemos até há bem pouco tempo não deixou de existir por completo nas escolas portuguesas.
Acha realmente possível? Parece-me que estamos a ir no sentido contrário, em que as crianças são superprotegidas, não se lhes pode tocar, nem lhes dar a liberdade para se magoarem ou fazerem asneiras…
É verdade, e também é verdade que houve uma retirada de autoridade aos professores. Mas estou convencido que o tipo de educação punitiva com o qual crescemos até há bem pouco tempo não deixou de existir por completo nas escolas portuguesas. As pessoas voltam muito facilmente ao que aprenderam e viveram quando eram novas.
O célebre «no meu tempo é que era. No meu tempo as crianças portavam-se bem». Portavam-se bem porque estavam cheias de medo.
Claro, claro. Não é por acaso que existe extensa investigação sobre o assunto e nós sabemos que esta não é uma estratégia geral válida. Mas a estratégia do tipo compensador, em que se apanha a criança no momento de bom comportamento, realçando-o, para lhe mostrar que está a progredir, são estratégias ganhadoras, quando bem aplicadas.
Podemos encarar esta medida – ainda que tenha sido numa escola – como um retrocesso na educação americana?
Acho que é um retrocesso e que vai vingar em vários sítios ainda. Até porque dá aos adultos, – perante todo o caos de violência, suicídios, bullying, desigualdades, etc…- uma sensação de regresso da autoridade para controlar a situação.