Mitos urbanos

Tatuagens infantis com LSD, agulhas com sida nos telefones públicos, mamas de silicone que explodem ou tráfico de rins em discotecas. Dez mitos urbanos desconstruídos por Susana André, autora do livro “Mitos Urbanos e Boatos”

A noite vai avançada e o tema de conversa começa a faltar – os silêncios são constrangedores. Qual a melhor maneira de apimentar uma noite entre amigos? Sai um mito urbano para a mesa três! “Vocês já repararam que nunca se vê um funeral de um chinês? É muito estranho… Ouvi dizer que eles utilizam-nos para fazer chop-suey.” Pode parecer conversa absurda mas assim nascem os boatos.

A jornalista da SIC Susana André também ouviu muitas destas histórias e depois de fazer uma Grande Reportagem sobre o tema foi convidada a escrever um livro. Em “Mitos Urbanos e Boatos” vai encontrar desde histórias de infância às mais recentes. “Queria que o livro servisse para desmontar os boatos. Há mitos fantasiosos, que são um bocadinho como as histórias dos lobisomens. Mas outros servem para denegrir alguém, como a história da relação entre o cantor Melão e jogador Calado que foi terrível para as famílias e carreira dos próprios”.

1 – Urina de rato nas latas mata
Os humanos têm um novo hábito desde 1998:_limpar as latas de refrigerante antes de beber. Tudo começou com um e-mail assustador:_“mulher bebe directamente de lata e morre”. Causa: a lata tinha urina de rato “tóxica e letal”. Mas calma. Como explica a jornalista Susana André essa tal mulher nunca existiu e a hipótese de isso acontecer é improvável. A urina de rato é perigosa para os humanos e pode causar leptospirose, mas nunca a podemos apanhar ao beber de uma lata. A bactéria que está na urina (leptospira), se for ingerida morre em contacto com o suco gástrico e para se manter “viva” tem de estar dentro de água.

2 – Chineses são imortais ou estão no meu chop-suey?

A história corre por toda a Europa: os chineses não morrem. Ou melhor, não há registo de óbitos de cidadãos chineses. Há até quem acrescente o pormenor: “Eles são desmembrados nas cozinhas dos restaurantes, cozinhados e servidos em chop-suey”. “É fácil comprovar que é tudo mentira. Quando os chineses começam a ficar doentes, regressam à China onde querem morrer. Mesmo quando morrem em Portugal, preferem ser enterrados no seu país. Entre 2000 e 2005, morreram 33, número normal para as comunidades de imigrantes.”

3 – Mamas explosivas

“Isso das mamas de silicone é um perigo. Não se pode andar de avião, se não explodem.” Conversa perfeita para um cabeleireiro, mas não passa de um mito. Existe de facto uma hospedeira cujos implantes explodiram a bordo de um avião, mas não há uma relação de causa-efeito entre silicone e despressurização. Como explicou Victor Garcia, presidente da Sociedade Espanhola de Medicina e Cirurgia Cosmética, “o mais normal é que se tenha tratado de um defeito de fabrico, que tanto se podia ter manifestado num avião como em casa.”

4 – “Ligue para o 112, acabamos de lhe tirar um rim”

A noite está a correr bem e a loira ao balcão não tira os olhos de si. Começam a conversar e acabam num quarto de hotel. Quando acorda está dentro de uma banheira, tem uma cicatriz nas costas e uma mensagem:_“Se queres viver, liga para o 112 e não saias da banheira”. “Os mitos urbanos têm como base preconceitos e os grandes medos da sociedade. Histórias de pessoas que acordam sem órgãos são universais”, diz Susana André. Há várias versões do mito: da mulher sedutora que o droga, à carrinha branca que andava pelas escolas, passando pela casa-de-banho do Kremlin. Parece que a Máfia Russa recrutava rins na discoteca lisboeta. A verdade é que a polícia nunca recebeu uma queixa. Como refere a jornalista, a Organs Watch explica que os traficantes de órgãos escolhem países pobres.

5 – Carlos Paião foi enterrado vivo
Quem nunca ouviu o boato de que Carlos Paião foi encontrado virado no caixão depois de o ter arranhado não deve ter andado em Portugal nos últimos 20 anos. O mito de que o cantor de “Playback” tinha sido enterrado vivo era contado em cafés como um facto. “É uma história chocante e foi com relutância que contactei a viúva de Carlos Paião. Ela explicou-me que o corpo tinha sido autopsiado e que nunca ninguém abriu o caixão”, diz ao i Susana André.

6 – Os ratos gigantes de Mafra
Os ratos têm o tamanho de um coelho, ocupam os quatro andares subterrâneos do Convento de Mafra e são alimentados por dois militares. Ah! E comeram um homem. Este mito é o equivalente aos crocodilos que vivem nos esgotos nova-iorquinos, numa versão menos exótica, sem tartarugas-ninja. A verdade é que é raro o visitante que vá a Mafra e não pergunte pelos ratos. Vamos desmontar o mito por fases: não há quatro andares subterrâneos, apenas um. Existem ratos nos esgotos, mas ainda há pouco tempo a responsável pelo palácio fez uma visita ao local e viu apenas um, como nos conta Susana André. Quanto ao homem devorado por um super-rato, a história tem uma origem verdadeira. O Capitão Álvaro Campeão, da Escola Prática de Infantaria, instalada no convento, conta que um soldado caiu no esgoto e morreu da queda. Como foi encontrado dias depois com sangue e uns ratitos por perto, a dedução lógica foi: os ratos atacaram-no. Mentira.

7 – McMinhoca Deluxe ou Big McMinhoca?
A fórmula secreta dos hambúrgueres do McDonald’s é quase tão falada como a da Coca-Cola. O sabor inalterado e a invasão planetária da cadeia de fast food deve ter enervado algumas pessoas, o que terá originado o mito de que eram feitos de minhocas. A jornalista Susana André esteve na fábrica da empresa, em Toledo, Espanha, e comprovou que não havia minhocas. “Vi a carne de vaca a ser triturada, prensada e a saírem os hambúrgueres.”

8 – Há sida nos telefones?
Ainda há quem tenha muito cuidadinho ao mexer em telefones públicos. Nos idos anos 90, a história de rapariga que se sentou numa cadeira de cinema e picou-se numa agulha com o papel: “Bem-vindo ao mundo real. Agora tens sida” correu o mundo. Seguiram-se as cabines telefónicas. Não vamos sequer responder à pergunta: “Por que raio é que alguém ia fazer isso?” A ciência vem em defesa da verdade: “o HIV é um vírus sensível ao meio externo e sobrevive apenas alguns minutos fora do corpo”.

9 – Ricky Martin no armário
Reza a história que o programa “Sorpresa, Sorpresa” convidou Ricky Martin para surpreender uma fã. Puseram-no no armário da jovem e esconderam as câmaras. Ela chegou a casa e chamou o cão. Mas não era para lhe fazer apenas umas festinhas… O boato dizia que a jovem terá colocado foie gras nas partes íntimas e enquanto o cão a lambia, Ricky Martin via tudo do armário. Ela foi apanhada em flagrante pela produção e semanas depois do escândalo suicidou-se. O boato não se ficou por Espanha mas não passa disso mesmo. O realizador do programa prometeu cinco mil euros a quem lhe apresentasse uma imagem que fosse. Ninguém reclamou o prémio. Ricky Martin também desmentiu a história e disse que nem estava no país na altura.

10 – Tatuagens do He-Man têm LSD
As crianças dos anos 70 e 80 sofreram o mesmo trauma: a dupla vida das tatuagens de colar. Se por um lado eram a forma mais simples de ascender na hierarquia social do recreio, por outro, ter o He-Man colado no braço era um risco para a saúde. Os pais proibiram as tatuagens depois do comunicado do “17º Batalhão da Polícia Militar”. Assunto: “Tatuagens de heróis infantis estão a ser vendidas nas escolas e estão impregnadas em LSD.” Como Susana André descobriu, a existência de um grupo de traficantes interessado em tornar dependentes de uma droga tão cara clientes que “só têm orçamento para o vício dos chupa-chupas” nunca existiu. O boato regressou em 2002 e a polícia esclareceu que o tal batalhão militar nunca existiu e que não há registo de casos com essas tatuagens em Portugal nem no resto da Europa. Adultos frustrados, corram para os quiosques!

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