“As mudanças sociais, políticas, económicas e culturais que ocorreram em Portugal [desde 25 de Abril de 1974] tiveram um carácter mais radical e realizaram-se em menos tempo do que na maioria dos países europeus. Neste processo, a sociedade portuguesa revelou uma maleabilidade invulgar, uma plasticidade que poucos lhe reconheciam. (…)
Uma das mais perenes ditaduras do século XX transformou-se, em dois anos, após ter passado por uma verdadeira revolução, num Estado democrático. ( … ) Pela pri¬meira vez, Portugal conheceu o sufrágio universal e as eleições livres, tendo-se ainda restaurado as liberdades de expressão e associação, aliás com reduzidíssimas tradi¬ções.
Em dois anos também, foi posto um termo ao mais antigo império colonial do mundo, tendo cerca de 600 000 portugueses (perto de 8 por cento da população total do país) regressado de África, num só ano. ( … ) Em menos de vinte anos, o Bra¬sil, Angola e Moçambique, além de outros pequenos territórios africanos, foram substituídos, nas mentes e nos projectos de vida, pela Europa ocidental e pela Amé¬rica do Norte, os dois continentes mais desenvolvidos do mundo. ( … )
Em pouco mais de duas décadas, a população envelheceu como poucas: deixou de ser uma das mais novas do continente, para ser agora uma das mais velhas, ou antes, em mais rápido envelhecimento. A emigração transformou profundamente as estru¬turas demográficas e os hábitos sociais. O mais elevado analfabetismo da Europa praticamente acabou. A proporcionalmente mais importante população agrícola des¬ceu para níveis inferiores a 10 por cento. ( … ) Os serviços, que ocupavam menos de um quarto da população activa, passaram directamente para o primeiro sector de actividade, com mais de metade do total. As mulheres passaram a ter, em percenta¬gem, presença dominante na população activa, na Administração Pública e nos ban¬cos das Universidades, situação única na Europa, O Ensino Superior deixou de ser um privilégio de uma muito reduzida minoria (menos de 30 000 estudantes) e pas¬sou a ser o destino natural de uma enorme massa de jovens (mais de 300 000). O Estado-providência, fraquíssimo nos anos sessenta, universalizou-se totalmente em menos de vinte anos.»
António Barreto, Tempo de Mudança Relógio água, 1996