Desvio: Transgressão, identificada como tal e portanto sancionada, das normas em vigor num dado sistema social.
A palavra é de uso recente. Aparece na sociologia americana no fim dos anos 50, substituindo-se a outras noções rubricas tais como desorganização ou patologia social. O seu rápido êxito deve-se ao facto de a noção que recobre ser muito mais extensiva que as de delinquência ou de criminalidade. A sanção social não se limita às sanções penais ou legais; pode tratar-se de uma simples reprovação. A noção de desvio permite também reagrupar todas as espécies de comportamentos, grande número dos quais não são tidos comummente como delituosos. Vê-se isso nas tipologias do desvio propostas por R. K. Merton (1949) ou T. Parson (1951), que prevêem, ao lado dos comportamentos “inovadores”, caracterizados pelo uso de meios ilícitos, o ritualismo (hiperconformismo passivo segundo Parsons), o recuo (alienação passiva) ou a rebelião (alienação activa).
A noção sociológica de desvio não é uma categoria estatística. Não se aplica às condutas ou aos indivíduos que se afastam, mesmo nitidamente, da média. Para que haja desvio, é preciso que haja uma norma de grupo e não uma simples opinião maioritária.
As teorias sociológicas do desvio podem ser reagrupadas em três correntes principais: as teorias da regulação social, as teorias da contradição social e as teorias culturais.
A primeira perspectiva, a mais tradicional, funda-se na oposição entre os desejos ou as pulsões individuais e os constrangimentos impostos pela pertença a um grupo social. O desvio resulta do falhanço da sociedade em conter e regular as paixões humanas. Produz-se quando os laços do indivíduo com a ordem social são rompidos. As teorias da contradição social rejeitam a ideia de que a motivação para o desvio está inscrita na natureza humana e vêem nela, pelo contrário, um produto da sociedade. Os homens seriam conformistas se não fossem empurrados para o desvio pela pressão de desejos legítimos, encorajados ou mesmo prescritos pela sociedade, mas não satisfeitos em virtude da falta de meios para realizá-los. Nesta perspectiva, ilustrada nomeadamente por Metron, o vício é o produto da virtude. As teorias culturais, por seu turno, põem em causa o postulado da uniformidade das normas no seio de uma sociedade. A interiorização das normas do seu grupo pode pôr o indivíduo em conflito com as normas dominantes ou legais da sociedade. O desvio, neste sentido, é o fruto de uma aprendizagem cultural, tão moral como toda a aprendizagem social. Podem ligar-se a esta terceira corrente as teorias interaccionistas do desvio, ditas teorias da reacção social ou da marcação (labeling). Sublinham elas que o desvio não é uma propriedade característica do acto de uma pessoa mas antes a consequência das reacções dos outros a esse acto. Como escreve H. Becker (1963), o desviado é aquele a quem a etiqueta de desviado foi aplicada com sucesso. O desvio é uma categoria construída num processo de interacção colectiva que implica aqueles que acabarão por ser etiquetados como desviados, os que os rodeiam, os que fazem respeitar as normas, os que querem impor novas normas. Esta perspectiva, dominante na sociologia do desvio no fim dos anos 60, contribuiu para uma reorientação da pesquisa sobre a delinquência. Verificou-se um afastamento da etiologia social da delinquência para estudar os agentes e os mecanismos do controlo social.
Raymond Boudon, Dicionário de Sociologia